segunda-feira, 29 de dezembro de 2008

Da personalidade obsessiva

Apesar de ser um deles, quando me dá para isso, tenho a dizer que as pessoas com traços de personalidade obsessivos por vezes são chatas como o raio! (e eu estou incluído...)
(fica prometido um post sobre os tipos de personalidade...)

Ps - isto não é nenhuma indirecta... Nem para mim!

terça-feira, 2 de dezembro de 2008

Mitos da psiquiatria

De acordo com alguns filmes, alguma crença popular, e alguma cultura médica, consubstanciada em certas referenciações à psiquiatria, os psiquiatras têm uma série de características... Aqui vão algumas:

1. Os psiquiatras conseguem avaliar se uma pessoa está a mentir.


É uma das primeiras coisas que nos ensinam durante o internato. Aliás, se durante uma entrevista clínica, o nariz de um doente começar a ficar vermelho, com bolinhas amarelas e azuis a piscar, é de que o doente foge à verdade que devemos suspeitar. Ou disso, ou de que o mesmo está com a ideação delirante de que é uma árvore de natal... Ou então, que que o psiquiatra está a abusar dos ácidos...
Devo dizer que os psiquiatras deviam ser utilizados como detector de mentiras. Aliás, há quem diga que é algo que está a ser estudado pelos americanos. Outras aplicações em estudo incluem utilizar internos de psiquiatria para encontrar traficantes de droga e para procurar pela Maddie... (são mais baratos para o Estado que os cães polícia e ao menos não urinam em qualquer esquina...)

2. Os psiquiatras conseguem ler pensamentos

Sim, claro... Os psiquiatras lêem mesmo a mente... No seu tempo livre, ainda fazem previsões metereológicas e adivinham os números do EuroMilhões... Isto, quando não tomam os comprimidos...
Aliás, quando me levanto, pergunto-me a mim próprio: "Hmmm, deixa cá ver as notícias... Deixa-me cá ligar a televisão... Não, não vou... Basta ler a mente do José Rodrigues dos Santos..."

3. Os psiquiatras analisam qualquer pessoa com quem conversem.

Tenho a noção plena de que não seria bom psiquiatra se não conseguisse descobrir o significado implícito, explícito, objectivo, subjectivo e transsubjectivo, consciente, sub-consciente e inconsciente de uma pessoa que costumo ver rotineiramente, saiba-se lá porque mecanismo (talvez porque mora dois andares acima?) me dizer "Bom Dia".
"Será que o senhor tem uma homossexualidade latente, fruto de uma relação precoce com uma mãe abandónica?" - penso eu quase que por automatismo. E viro-lhe a cara e não lhe respondo, porque o bom psiquiatra não olha os doentes de frente, e reduz as suas palavras ao mínimo.

Aliás, para quê pagar psicanálise (ou qualquer forma de psicoterapia) durante uma vida inteira? Basta uma pessoa tornar-se amiga de um psiquiatra...

4. Os psiquiatras têm por hábito fazer programas de rádio e opinar sobre tipos que telefonam para lá a contar parte da vida.

Admito que sou fã confesso do Carlos Ribeiro. Um dia gostava mesmo de ser como ele... Não é que goste de apresentar o último álbum do Tony Carreira mas o que eu queria mesmo fazer da minha vida era vender colchões da Ideiacasa... Má sorte ter ido para medicina...
Quanto ao opinar sobre (e predizer) o que os outros fazem não é nada que pessoas com muito menos formação em psiquiatria (e mais formação em jipes) não façam para ganhar a vida... Outra ideia em investigação é utilizar psiquiatras reformados para comentar jogos de futebol. Assim, já não assistiremos ao famoso "Benarrivo, 1,60m, três filhos, dois enteados, uma mulher e três amantes" para passarmos a ter o não menos espectacular "Adérito, com esquemas cognitivos disfuncionais, ideias deliróides de ruína e um luto mal resolvido, passa a bola a Ambrósio, 33 anos, psicose paranóide a cannabis aos 19..."

4. Os psiquiatras do Continente são todos comunistas

Claro que sim. Eu nunca estudei pelo Kaplan, essa pérola do imperialismo americano. O livro de texto recomendado no internato é "O Capital", de Karl Marx. E quem o negar não passa de um pulha fascizóide. E disse.


5. O consultório de um psiquiatra tem obrigatoriamente de ter um divã.
Sim, e os psiquiatras têm todos barba branca e fumam cachimbo.
É mais o quarto de um psiquiatra, mas pode ser, de bom grado trocado por um soummier, uma cama ou um colchão da IdeiaCasa, que ao preço a que é vendido, nem dá para comprar a cama...

6. Os psiquiatras servem para dar aos doentes, ou aos familiares de doentes, a notícia de que têm uma doença grave

Sim, claro... Aliás, os psiquiatras substituem o médico assistente em muitas das suas funções... Auscultam, pedem exames, passam receitas, falam com a família... Só não fazem é diagnósticos, porque, aqui para nós que ninguém nos ouve, eles nem sequer são médicos... São engenheiros civis disfarçados... E toda a gente sabe que os engenheiros civis, e não os médicos, é que são treinados para dar más notícias aos doentes.


7. Os psiquiatras passam a vida a falar de sexo.

Nós? Quer dizer... Os camionistas também... E os homens das obras... E as letras da Madonna, que de vez em quando é uma mulher séria...

8. Vá lá... Vocês interpretam tudo como ligado a sexo.

Vocês? Por acaso com a expressão "Vocês" não está a sugerir um bacanal? Interpretam... Hmmm, isso remete-nos para as magníficas interpretações de algumas divas do Salão Erótico de Lisboa... Tudo? Essa é fácil.... Querem que eu seja mais explícito? Como... Vem do verbo comer.... Também querem que eu seja explícito? Ligado: Ligar=Unir... Isso explica muita coisa. A: Não é "A", é o AHHHHH orgásmico; Sexo... Não consigo perceber como é que essa palavra se relaciona com o coito...


PS - Espero que ninguém fique magoado com este post, nem se reveja no mesmo... (Magoado? Hmmm...)

quinta-feira, 27 de novembro de 2008

quarta-feira, 26 de novembro de 2008

Eduardo mãos-de-tesoura




"Era uma vez um castelo no topo de uma colina, onde vivia um inventor cuja maior criação é o Eduardo. Apesar deste possuir um carisma irresistível, não é perfeito. A trágica e súbita morte do inventor deixou-o incompleto e dotado de afiadas tesouras em vez de mãos. Eduardo vivia sozinho na escuridão até o dia em que uma vendedora de Avon o adoptou, passando a viver com a familia desta. E assim começou a fantástica aventura no paraíso chamado Suburbia.
De Tim Burton, o realizador de A Lenda do Cavaleiro Sem Cabeça e Marte Ataca, chega-nos um inesquecível conto de fadas sobre o menos usual dos personagens. Com Johnny Depp, Winona Ryder, Dianne Wiest e Vincent Price como o Inventor."
in www.dvdpt.com


Eduardo mãos-de-tesoura é um filme que marca.
Conta a história de um ser diferente. Alguém cuja diferença é mais do que um par de tesouras no lugar de um par de mãos.
Conta a história de um par de tesouras que é mais do que um mero substituto das mãos. Dá azo a preconceitos, a discriminação, prejudica a comunicação, a inter-relação com os outros seres.
Conta a história de alguém que, apesar da diferença, tem sentimentos, ama, é ferido.

Conta a história de alguém, mais humano que muitos humanos, que se exprime fazendo esculturas de gelo, e magoa a pessoa que ama quando tenta demonstrar aquilo que sente...
Conta a história da pureza de espírito e o contraste com o cinismo, a inveja, o ponho-te-a-assar-no-espeto-só-porque-tu-estás-no-meu-caminho...


Há quem diga que o filme é, de certo modo, autobiográfico do realizador, Tim Burton, que, há quem diga, sofre de síndrome de Asperger.
Há quem diga que as mãos de tesoura de Eduardo são apenas uma metáfora da dificuldade em expressar sentimentos, em se relacionar com os outros, apesar da manutenção de um funcionamento quase normal ou normal.



O síndrome de Asperger, tal como a maior parte das perturbações do foro mental, pertence a um espectro - o espectro autista.

O autismo, na sua acepção psicopatológica, (ou seja, apenas em termos de sintomas e sinais, não de uma classificação nosológica/nosográfica) consiste na incapacidade de a pessoa se relacionar com os outros. Pode fazer, enquanto sintoma/sinal, e num sentido lato, parte de diversas perturbações, como a esquizofrenia ou alguns quadros depressivos.


Já em termos nosográficos, há várias características que distinguem o Autismo e o Síndrome de Asperger.

Assim, o autismo pressupõe um atraso global do desenvolvimento da linguagem.
Esta classificação não exclui, contudo, o facto de, no Síndrome de Asperger haver dificuldades na interpretação da linguagem além do concreto. As pessoas com Asperger podem não ser capazes de entender o humor, a ironia. Podem, igualmente, não ser capazes de identificar sentimentos noutras pessoas, ou exprimir os seus próprios sentimentos.

Por outro lado, a pessoa com autismo ou síndrome de Asperger pode, muitas vezes, sofrer de outro tipo de perturbações. (Como diria um médico que foi meu assistente de Pediatria, quem tem pulgas também pode ter piolhos...)

Podemos traçar um paralelismo com a surdez: imaginem vocês que a dada altura da vossa vida deixam de ouvir. A não ser que, tal como Beethoven, tenham a nona sinfonia na cabeça e não precisem do ouvido para nada, é possível que se sintam tristes, ansiosos ou, se a vossa personalidade tiver determinados traços, que desenvolvem comportamentos psicóticos - por exemplo, acreditem que as pessoas à vossa volta digam mal de vocês se não as conseguem ouvir.

Com as pessoas com síndrome de Asperger e autismo passa-se exactamente o mesmo. Não conseguem interpretar, não se conseguem relacionar, têm comportamentos e interesses obsessivos... Daí alguns sintomas secundários. Outros incluem as perturbações da atenção e a nível do comportamento alimentar.

O mais curioso é que, como espectro que é, há muita gente com discretos deficits funcionais da comunicação e da relação a passear por aí alegremente...
Alguns, diz-se, ocupam postos de chefia na política, na medicina, na esfera judicial e, pasme-se, até na psiquiatria, que é a especialidade da comunicação por excelência. (Já lidei com uma ou duas pessoas nestas circunstâncias...)

O autismo e o síndrome de Asperger não têm cura, de momento. Contudo, isto não significa que não se trate os sintomas: a ansiedade, a depressão, a disfunção da atenção... Não significa que não se ame, não se respeite, não se acolha, não se integre uma pessoa com síndrome de Asperger, porque, tal como Eduardo Mãos de Tesoura, esta, apesar de não o exprimir, tem sentimentos.

sexta-feira, 7 de novembro de 2008

Sonhos

A pedido de outra família, vamos começar, como se diz em "amaricano", por uma vignette...

"Vencido pela aridez da matéria que estou a estudar sinto que a realidade se começa a esfumaçar... Oiço ao longe a televisão, que dá um daqueles talk shows enfadonhos. De repente, vejo o meu tio Adolfo. Pensava que ele já tinha falecido, mas parece-me tão real... Debita-me um daqueles sermões, que faziam as delícias dos sobrinhos e primos, que fugiam a sete pés sempre que o viam... De repente, começam a surgir, de cada um dos lados do pescoço, mais duas cabeças. Uma delas chama-se Júlio César e tem uma coroa na cabeça... No entanto, é bastante parecido com aquele actor que faz umas peças no Casino do Estoril... No entanto, o meu tio Adolfo chama-lhe "primo Zé"... A outra cabeça é vagamente parecida com o um professor de história da minha escola secundária. Olha-me, do alto dos seus quase setenta anos, com aquele ar quase inquisitorial, por cima dos óculos, e com a voz entre o grave e o agudo: "O menino não sabe, hein? Estudasse!" No entanto, o meu tio Adolfo chama-lhe Pompeu... Pompeu para aqui, Pompeu para ali... como se isso fosse nome de gente... Viro as costas e dou comigo em Paris, em frente à Catedral de Notre-Dame. Curioso, pensei que já lá tinha estado, mas se calhar não... sinto-me como se fosse a primeira vez!
Entretanto, o monstro tricéfalo liderado pelo meu tio Adolfo persegue-me. Quer, à viva força que eu lhe preste atenção, mas eu fujo pela margem do rio. Tento deixá-lo para trás, mas a cada passo que dou, o monstro dá dois.
Está quase a alcançar-me quando sinto que alguém me puxa pelo braço.
Acordo esbaforido. A minha mãe apercebeu-se que adormeci, vencido pelo cansaço, ao estudar para o teste de história de amanhã, sobre o primeiro triunvirato romano, entre outras matérias e deu-me um delicado safanao no braço. Acordo estremunhado, com a sensaçao de quem nao sabe muito bem de que terra é... mas com o alívio de me ter safado de um sermão "Adolfiano"..."

O que dizer sobre os sonhos?

Será que têm o significado premonitório bíblico?

Em primeiro lugar, há que dizer que, se para Freud eles eram a "expressao de um desejo suprimido ou alcançado", me parecem ser muito mais do que isso. Sao o reflexo de um conjunto de estímulos externos e internos que ocorrem durante um estado de semi-consciencia, em interligaçao com os dados que ja se encontram na memória, consciente ou inconsciente, com o humor, com os pensamentos que afloraram à nossa mente durante o dia.
Um exemplo disto, é a distençao do músculo liso da bexiga, com a consequente erecçao reflexa nos homens, que coincidem justamente com os sonhos com a Laetitia Casta ou, mais lusitanamente, com a Soraia Chaves, a menina do gás, ou qualquer outra ninfa com um busto acima de um determinado patamar...
Dizem também alguns autores que é um processo que permite ao nosso sistema de memória, que faz parte, pensa-se, de uma estrutura chamada sistema límbico, apagar os dados que se tornam obsoletos, e permitir assim o armazenamento de novos dados através do estabelecimento de novas conexoes entre neurónios.

Por isso, duas coisas a reter:

  1. Se estao com uma depressao, com o humor em baixo, nao esperem ter sonhos muito agradáveis...
  2. A Soraia Chaves faz com que muitos homens se esqueçam das coisas.

quinta-feira, 6 de novembro de 2008

Contenção

O meu amigo JC (abraço para ti, pá!) foca aqui um tema que tem um peso cada vez maior na pedopsiquiatria - a incapacidade de contenção das crianças por parte da família. Para onde caminhamos?

O roubo

O tempo tem sido escasso, e, consequentemente os posts também!

Estou em congresso, algures numa cidade espanhola, a enjoar de paella, mas não de tapas e montaditos, para mal dos meus pecados, nutricionalmente falando.

O trabalho tem sido intenso. Os congressos espanhóis são congressos a sério, com muita investigação básica e clínica na primeira pessoa, e alguns pesos-pesados da psiquiatria mundial.

Ontem, ouvi falar de doença bipolar.

Para os mais desatentos, a doença bipolar é uma perturbação que cursa com episódios depressivos, maníacos e mistos.

Muito resumidamente, nos episódios depressivos, a pessoa tem humor triste, falta de prazer nas actividades que antes lhe davam prazer, desespero, fadiga, diminuição do apetite ou aumento, diminuição da actividade motora, pensamentos/visão depressiva sobre o futuro, sobre si próprio e sobre os outros... Na mania, a pessoa tem exactamente o oposto: está expansiva, eufórica, cheia de energia, com o pensamento com uma velocidade de fazer inveja a um adepto de street racing, gasta rios de dinheiro, pode inclusive ter convicções fixas, persistentes, não rebatíveis à argumentação lógica (chamadas delírios) de que é um imperador, ou de que é um deus, ou um profeta...

Muitas vezes, e esse foi um dos pontos centrais do debate, a doença bipolar passa muitas vezes despercebidas, mesmo aos olhos dos psiquiatras mais treinados, porque nem sempre dá sintomas tão exuberantes como querer comprar a ponte Vasco da Gama, nem que seja às prestações. Com efeito, andar contente das ideias e cheio de energia para fazer tudo dá jeito a qualquer pessoa...

Aqui, é possível ver um desenho feito por uma doente, que retrata de forma bastante bem conseguida as duas fases da doença:




Voltando à conversa, a mania cursa muitas vezes com desinibição, e deu origem a uma das histórias mais curiosas que me aconteceram:

Uma doente, com doença bipolar bastante grave, com vários internamentos, mas que, curiosamente, desde que passou a ser seguida no privado, nunca mais foi internada, (nao, nao vou ser o próximo Mourinho da psiquiatria, mas o que é certo é que eles às vezes até melhoram...) chegou-me ao consultório algures no Verão passado com ar efusivamente alegre, de olhos esbugalhados:

- Dr, tenho um presente!

Perante o meu "Não precisava de se ter incomodado", ela lá colocou uma caneta em cima da mesa. Depois, lá me segredou, para que a irmã, que ainda não tinha entrado na sala, a não ouvisse:

- Roubei-a para si!

Depois de um estupefacto, "o quê?", e oscilando perigosamente entre a reprimenda paternalista que se impunha e o disfarçar da vontade de começar a rir a bandeiras despregadas, lá consegui explicar à doente que aquela não era a atitude mais adequada...

E, depois de uma conversa bastante grande, acabei por lhe subir a medicação antipsicótica, de forma a controlar o episódio maníaco...

sábado, 11 de outubro de 2008

Como não manter a saúde mental

O seu namorado/a deixou-o/a? A sua família anda toda à traulitada? O seu patrão é um psicopata e ameaça-o todos os dias com o seu posto de trabalho? Faleceu-lhe o piriquito, após uma crise de seborreia aguda? Está com dívidas até ao pescoço, por causa da crise do subprime? O seu cão não lhe liga?

Reconhece que os psiquiatras e psicólogos, mesmo apesar da crise do subprime, também precisam de ganhar a vida?

Além de, em nome dos profissionais de saúde mental, lhe agradecer o reconhecimento, e como ontem foi dia da Saúde Mental e a pedido de várias famílias (Pronto, foi só de uma...), aqui vão algumas sugestões sobre como não manter a sanidade...

  1. Isole-se - De facto, você reconhece que sempre foi um verdadeiro bicho do mato. Nasceu sozinho e há-de morrer sozinho, mau grado todas aquelas teorias, completamente descabidas, de que o homem é um ser gregário.
    De facto, vendo bem, os ajuntamentos de mais de uma pessoa só servem para reivindicar qualquer coisa (mais em França do que cá), ou então para comentar a vida dos vizinhos do lado ou a telenovela... e o facto de as interacções sociais serem um excelente estímulo para a pessoa não são argumentos a ter em conta...
  2. Feche-se à mudança - você sempre foi como foi... para quê mudar? Para quê fazer um restyling do visual, uma lavagem ao carro, uma psicoterapia? Para quê mudar comportamentos e atitudes? Quem gosta de si, que goste dos seus ataques de mau feitio, da sua timidez, do facto de ligar a tudo o que os outros possam sequer pensar, dos seus ataques de hipocondria, da sua atitude de se estar sempre a lamentar de tudo e não fazer nada para melhorar a sua vida... mesmo que você se sinta mal com isso...
  3. Não confraternize com a família e os amigos- tal como falar, confraternizar, além de pura perda de tempo, como se viu antes, pode ser nefasto. Lembre-se do provérbio brasileiro: "Pato e parente só serve pra sujar a casa da gente". Cultive o medo de que desabafar com outros pode afastar os mesmos de si, e esqueça-se que o facto de falar sobre aquilo que o preocupa lhe pode trazer novas perspectivas sobre velhos problemas...
  4. Não faça exercício físico. - Para gastar calorias, não precisa de ginásio. O zapping da televisão serve perfeitamente. Além disso, fazer exercício aumenta o risco de vir a sofrer de rupturas musculares. Que se danem as endorfinas libertadas durante o mesmo... não é nada que a sensação de prazer e bem estar de comportamentos com menos risco de traumatismo e maior risco de explosão, como snifar gás butano, não resolvam... Além disso, quem é que não quer ser conhecido/a como o menino/a do gás?
  5. Não cultive/desvalorize aquilo que é saudável em si - por exemplo, se gosta de jogar dominó, para quê jogá-lo? Nem sequer é desporto olímpico! Se gosta de rir a bandeiras despregadas com os Monty Python, para quê fazê-lo? Eles nem sequer são já todos vivos!
    Todos nós temos núcleos saudáveis: as coisas que gostamos de fazer, o nosso humor, tudo aquilo que nos dá prazer... Não cultive nada disso...
  6. Refugie-se na bebida/em substâncias de abuso - para quê resolver os problemas se os pode afogar no "trotil"? o chato é a dor de cabeça no dia a seguir, mas se se voltar a beber, essa dor até passa... E com o repetir deste comportamento, até se aumenta grandemente o PIB, à custa da elevação dos rendimentos das cooperativas vinícolas, dos gastroenterologistas especialistas em hepatologia e das farmacêuticas que comercializam imunossupressores. (um transplante hepático custa uns milhares de euros...) Além disso, mantém-se o posto de trabalho das instituições de polícia em Portugal, só à custa das queixas de violência doméstica. Aliás, afogar as mágoas é uma das formas de garantir o preceituado no ponto 1.
  7. Não consulte o seu médico, caso ache que tenha sintomas de algum problema emocional - Os médicos só servem para passar receitas, e os químicos fazem mal a tudo o que mexe... Por isso, mande o seu médico às urtigas... Além disso, os psicólogos e os psiquiatras, bem como os terapeutas ocupacionais e técnicos de psicoeducação, são para malucos, não são para si... A única coisa que esta gente toda poderia fazer era usar qualquer método que o ajudasse e prevenisse que o desequilíbrio bioquímico que grassa na sua cabeça se trate, e não evolua, com todas as consequências que isso tem (incluindo transformar-se numa pessoa chata...) Isto, obviamente, incluindo, além da componente de psicofármacos, a mudança de estilos e hábitos de pensamento, ou quaisquer outras coisas que eles consigam fazer...
E agora, faça exactamente o contrário daquilo que escrevi, para diminuir a probabilidade de ser, ao longo do seu tempo de vida, afectado por um flagelo que afecta, durante o seu tempo de vida, uma em cada quatro pessoas no planeta: a doença mental.

sexta-feira, 10 de outubro de 2008

E porque hoje é...

...Dia Mundial da Saúde Mental...

(Para quem não sabe, o Dia da Saúde Mental é uma coisa mais ou menos semelhante ao dia da Criança ou ao dia dos Avós, mas mais abrangente, porque é dirigida a todos - a Saúde Mental - que não é igual a Psiquiatria, tem a ver com todos nós - sem aqueles programas irritantes do Manuel Luis Goucha)

e porque o estigma afecta toda a gente...



segunda-feira, 6 de outubro de 2008

Limites

O estágio de psiquiatria, para a maior parte dos internos de psiquiatria de adultos, desperta sensações um pouco antagónicas: ou se ama, ou se odeia.
São vários os argumentos para se amar ou odiar. Mas não é sobre os defeitos e virtudes do estágio de pedopsiquiatria que devo aqui falar. Vou falar sobre aquilo que nós, profissionais de saúde, sentimos quando lidamos com familiares, e como isso pode, às vezes erradamente, interferir na forma como lidamos com os doentes.

A esse respeito, vou contar uma história.
Um belo dia, o chefe do serviço de pedopsiquiatria onde estava colocado, pediu-me para fazer o que pudesse por uma doente que tinha ido para a psiquiatria de adultos. A rapariga tinha sido seguida por ele, tendo-lhe sido diagnosticada uma doença bipolar. Foi seguida na consulta de pedopsiquiatria até aos 20 e muitos anos, altura em que, por determinação superior, teve de ir parar à psiquiatria de adultos. Andou perdida durante uns tempos, tendo tido um episódio maníaco e sido internada.
Depois do internamento, teve a primeira consulta, mas entretanto, a psiquiatra de adultos - a drª H., que a seguia, e que via vinte e muitos doentes em cada uma das manhãs em que ia dar consulta (porque nos outros dias estava noutras áreas do Hospital), resolveu sair do Hospital. Os doentes ficaram algum tempo sem médico, tendo ido parar aos cuidados de outra colega, interna como eu.
Esta colega reduziu as consultas para dez por manhã, o que é um número, na minha opinião, perfeitamente aceitável, para uma consulta de psiquiatria dada por um especialista.
(Os internos, para quem não sabe, são médicos em formação. Por isso, dada a necessidade de supervisão, os números teoricamente não deveriam ser superiores.) Como só ia um dia por semana dar consulta, porque no restante tempo, estagiava noutros sítios e fazia urgência, os doentes acumularam-se, a lista de espera cresceu, e a consulta tornou-se um caos.

Durante o período em que tinha estado sem médico, a doente tinha descompensado da sua doença bipolar. Depois de uma primeira consulta, foi-lhe marcada uma consulta para Fevereiro, à qual a doente faltou. Entretanto, só foi possível remarcar para Julho.

A mãe da doente recorreu então, chorosa, ao pedopsiquiatra que a tinha seguido uns anos antes, para tentar que ele a seguisse.
Foi assim que o chefe de serviço de pedopsiquiatria me pediu a minha intervenção, no sentido de tentar acelerar o processo. Como fazia urgência daí a uns dias, ofereci-me para seguir a doente na urgência até à próxima consulta, retomando esta depois o seu seguimento. Assim, com benefícios para a doente, não infringia ética nenhuma, e preservava a relação com a colega.

Liguei ao padrasto da doente. A conversa foi mais ou menos como se seguiu:

Eu - Estou? Estou a falar com o sr. S?
Padrasto - Sim.
Eu - Daqui fala X., médico. Estou a falar da parte do dr. J., e estou a trabalhar em psiquiatria de adultos. Estou a estagiar com ele e ele pediu-me para ver a A.
Padrasto - O dr. J? Conheço-o perfeitamente, é um excelente médico e uma excelente pessoa. Além disso, somos grandes amigos dele.
(...)
Eu (depois de 10 minutos a ouvir elogiar o chefe e a suposta amizade, quase íntima)- Como está a A.?
Padrasto - Oiça, X. - respondeu, tratando-me pelo meu nome próprio - Não está bem. Desde que deixou de ser seguida pela H. (o nome próprio da médica que a tinha seguido antes da colega interna, que não está bem. Não quer fazer medicação.
Eu - Mas eu posso vê-la na urgência! Conseguem trazê-la à urgência?
Padrasto - Ela devia era ter ficado no hospital. A H. não devia ter-lhe dado alta sem eu lhe dizer para dar alta, sem ter ido lá e ver como ela estava. É que eu percebo muito de psiquiatria, porque estive em África e sou Engenheiro...
Eu - (depois de uns segundos a tentar acreditar no que acabava de ouvir) Bom, obviamente que não vou comentar a opção e a atitude da drª H. Aquilo que lhe posso dizer é que, tanto quanto sei, tenho-a como uma pessoa extremamente competente e dedicada aos seus doentes.
Então eu vou falar com a drª K. (o nome da colega interna) para tentar acelerar a consulta.
Padrasto - A K. (nome próprio da colega interna) não percebe nada de psiquiatria. Marcou uma consulta para Fevereiro. A A. faltou, de certeza porque já não estava bem, e ela só marcou para Julho!
Eu - Também não vou comentar isso. Vamos combinar o seguinte, se a conseguirem trazer a A. à urgência daqui a 2 dias, muito bem. Caso contrário, sugiro que vão ao delegado de saúde, para ser accionado o internamento compulsivo.
Padrasto - Mas nem ela vai à urgência nem nós queremos que ela seja internada.
Eu - Pois, mas se calhar esta poderá ser a única forma de ajudar. Bom, eu de qualquer forma vou ter de ir, mas estejam à vontade para aparecer na urgência nos dias X, Y ou Z, quando eu estou de serviço na urgência- e dei-lhes a escala até ao fim desse mês. De qualquer modo, vou falar com a colega para se acelerar a consulta, mas a situação, tanto quanto sei, é complicada, e o melhor será mesmo ir à urgência. Uma boa tarde e obrigado.

E desliguei, receando, na óptica do senhor, passar, também eu, a ser considerado como alvo a abater, daí a uns tempos.

Pondo a mão na consciência, podia ter feito mais, nomeadamente ter-me oferecido para ver a rapariga no 16ª lugar de um dos meus dias de consulta. (eu limito-as, mas, talvez erradamente, não tanto.) No entanto posso invocar várias razões para não actuar assim, desde as razões éticas às clínicas.

É perfeitamente possível que tenha havido uma contra-transferência minha em relação ao padrasto, e a rapariga tenha saído prejudicada, mas o certo é que talvez não percebesse o suficiente de engenharia ou de etnologia africana para a tratar... quanto mais de psiquiatria!

sexta-feira, 3 de outubro de 2008

Os profissionais de saúde e a hipocondríase (ou a falta dela)

Serve esta conversa para, a pedido de uma ou duas famílias, falar sobre a mania das doenças.

Contra alguns ensinamentos sabiamente veiculados por certas correntes da psiquiatria/psicologia, vou fazer um self-disclosure. Preparados? Aqui vai: tal como há pessoas que têm um cão, um gato, um canário, um peixe ou um ácaro em casa, real ou imaginário, eu tenho uma asma de estimação, que de vez em quando passeio por onde quer que vá.
O problema destas asmas de estimação além de não poderem ser compradas nem vendidas em lojas de animais, é que, tal como os cãezinhos que insistem em fazer as suas necessidades em sítios impróprios, às vezes dão problemas chatos: a falta de ar, a "gataria no peito" que insiste em miar desmesuradamente, a tosse, as exclamações animadoras dos colegas "Tu estás tuberculoso!" e outras chatices que tais... E isto repete-se, na sequência de qualquer resfriado, constipação ou gripe, por mais pequeno que seja, tal como se repetem as promessas, feitas ao jeito de qualquer político que se preze, à família próxima: "Sim, eu vou ao médico. Eu ligo já amanhã para o dr. X (e aqui vai o nome do meu médico de sempre) para ele me ver!"

A minha atitude consubstancia uma de duas possíveis nos profissionais de saúde. Todos nós, desde o admministrativo até à senhora (ou senhor) que, felizmente, limpa o chão da enfermaria, nos classificamos em dois tipos, face à nossa própria saúde:
  1. Ou somos completamente hipocondríacos
  2. Ou nos estamos completamente a borrifar para todo e qualquer sinal ou sintoma que cheire,saiba, soe ou aparente ser relacionado com uma doença.

A maior parte das vezes, (mas nem sempre) temos a posição exactamente inversa em relação àqueles que nos rodeiam:

  1. Ou somos completamente obsessivos em relação ao mais pequeno sinal de que o outro possa estar com uma nódoa negra
  2. Ou dizemos "isso é cancro da próstata" sempre que a nossa tia de 85 anos nos relata, pela trigésima terceira vez na última hora, toda a vivência fenomenológica das suas artroses.

Por falar em nisso, confesso que é difícil lidar com a situação de os nossos parentes nos caçarem em reuniões de família, aproveitando sagazmente o intervalo entre dois croquetes para nos relatar as novidades mais recentes sobre o seu corrimento nasal. Curiosamente, um não pequeno número de vezes, começam a sua interpelação pela frase "Desculpe lá estar a dizer-lhe isto agora, mas fui ao médico das varizes e ele disse-me que..." E depois, invariavelmente, terminam com a sua pergunta sacramental: "O que é que acha?" ou "Que medicamento posso tomar para isto?"

A minha estratégia em relação a isso é, ou colocar o resto do croquete à boca, fingir um engasgo e tentar ir buscar um qualquer líquido, de preferência bebível, que possa deglutir, ou então responder com evasivas do género "Pois, o ... ( e aqui ponho o nome de um medicamento qualquer, de preferência de venda livre) é muito bom para isso, mas é melhor ir ao seu médico..."

Mas não me interpretem mal. Eu até simpatizo com os hipocondríacos.

Primeiro, porque admiro a arte de transformar uma inocente dor de cabeça num glioblastoma da pior espécie.

Depois porque acredito que a hipocondríase se pode tratar. Basta assumir-se que, em vez das trinta mil doenças, que curiosamente, se assemelham todas com cancro, se tem uma perturbação de ansiedade, aguda ou crónica, que associada à mania de ter o controlo sobre as coisas (e ao medo de o perder), tem o condão de ser dirigida ao corpo. (Vendo pela positiva, há quem a dirija em relação ao Benfica, aos filhos ou à economia...) Só que isso, o desmontar desses esquemas, demora tempo, e implica um trabalho psicoterapêutico e muitas vezes psicofarmacológico. E implica informação. Adequada, simples e racional, com dados probabilísticos claros (ao contrário do que aparece em certas bulas de medicamentos)... Por exemplo, qual é a probabilidade de uma dor de barriga ser o reflexo de uma carcinomatose peritoneal?

E depois, porque, qual lobisomem em noite de lua cheia, me transformo num hipocondríaco, quando por acaso sofro de coisas que não percebo muito bem a fisiopatologia... Mas aí, arranjo forma de controlar a ansiedade (que é adaptada à situação, entenda-se) e tento não perguntar aos médicos da minha lista de contactos se vou desta para melhor. Até porque não quero aumentar de forma demasiado indiscreta os lucros da minha operadora de telemóvel...

quinta-feira, 28 de agosto de 2008

O estigma

E eis que decidi lançar este projecto... É um desafio pessoal, voltar à blogosfera depois de mais de um ano noutra casa.
Neste momento, ao definir-me como projecto de psiquiatra, nunca deixo de pensar nas sábias mas nobres palavras de minha mãe, quando, naquela tarde de fim de verão, lhe anunciei que tinha escolhido ajudar pessoas com doenças mentais, talvez para o resto dos meus dias: "Ó filho, tu foste escolher isso?"...
Estou certo que a minha mãe, se lhe perguntassem nessa altura, talvez preferisse que eu alimentasse a familia a tentar sentir alguma coisa nas próstatas alheias... (Desculpem o detalhe escatológico...)

Esta reacção foi ao encontro da reacção de vários amigos e vizinhos: "-Pois, alguém tem que o fazer, não é?", logo desviando o olhar para a parede e a conversa para o estado do tempo.

Passado o necessário tempo, comecei a ter o rótulo de vidente: "Senta-te na poltrona, analisa-me lá e diz-me o que é que eu estou a pensar...". Há vários comentários que se podem tecer em relação a isto: Em primeiro lugar, a associação quase imediata entre a Psiquiatria e Psicanálise:
Para os mais distraídos, a Psicanálise é apenas um dos modelos em que se pode basear o estudo do comportamento humano. Há vários outros... o modelo fenomenológico-existencial, preconizado por Jaspers, o modelo Cognitivo-Comportamental, o modelo Transpessoal, o modelo Humanista, o modelo Sistémico... Porque é que a psiquiatria se haveria de resumir à psicanálise?

Em segundo lugar, a capacidade imanente a qualquer interno de psiquiatria com três meses de formação para ler a mente humana... Já agora, qual a especialidade médica com melhor formação para conhecer os números do euromilhões? Se alguém souber, diga-me, porque eu não me importo de empinar o maldito Harrison's outra vez e ir para lá!

Bom, a questão é que as pessoas acabaram por se habituar...

A minha mãe, após uns tempos em plena negação, a referir-se à psiquiatria como "essa especialidade", começou a ver que até é uma das especialidades que avançaram mais nestes ultimos 30 anos, e neste momento, até manda a família, os amigos, os parentes, e os cobradores do fraque que os apoquentam terem comigo...

Combater o estigma é uma questão de hábito... De nos habituarmos a pensar noutra maneira... De percebermos que o estar doente é apenas um estado transitório e limitado, e que uma pessoa com doença mental pode fazer a sua vida... E divulgar essa forma de pensar. E não nos limitarmos àquela postura passiva-agressiva que caracteriza a sociedade em que vivemos...

E mesmo que tenhamos como dado adquirido o estigma, uma coisa serve-me de consolo... O estigma de um proctologista ou de um apontador de cavalos é incomensuravelmente maior... Por isso, ainda bem que não escolhi nenhuma dessas profissões... ;)