quinta-feira, 28 de agosto de 2008

O estigma

E eis que decidi lançar este projecto... É um desafio pessoal, voltar à blogosfera depois de mais de um ano noutra casa.
Neste momento, ao definir-me como projecto de psiquiatra, nunca deixo de pensar nas sábias mas nobres palavras de minha mãe, quando, naquela tarde de fim de verão, lhe anunciei que tinha escolhido ajudar pessoas com doenças mentais, talvez para o resto dos meus dias: "Ó filho, tu foste escolher isso?"...
Estou certo que a minha mãe, se lhe perguntassem nessa altura, talvez preferisse que eu alimentasse a familia a tentar sentir alguma coisa nas próstatas alheias... (Desculpem o detalhe escatológico...)

Esta reacção foi ao encontro da reacção de vários amigos e vizinhos: "-Pois, alguém tem que o fazer, não é?", logo desviando o olhar para a parede e a conversa para o estado do tempo.

Passado o necessário tempo, comecei a ter o rótulo de vidente: "Senta-te na poltrona, analisa-me lá e diz-me o que é que eu estou a pensar...". Há vários comentários que se podem tecer em relação a isto: Em primeiro lugar, a associação quase imediata entre a Psiquiatria e Psicanálise:
Para os mais distraídos, a Psicanálise é apenas um dos modelos em que se pode basear o estudo do comportamento humano. Há vários outros... o modelo fenomenológico-existencial, preconizado por Jaspers, o modelo Cognitivo-Comportamental, o modelo Transpessoal, o modelo Humanista, o modelo Sistémico... Porque é que a psiquiatria se haveria de resumir à psicanálise?

Em segundo lugar, a capacidade imanente a qualquer interno de psiquiatria com três meses de formação para ler a mente humana... Já agora, qual a especialidade médica com melhor formação para conhecer os números do euromilhões? Se alguém souber, diga-me, porque eu não me importo de empinar o maldito Harrison's outra vez e ir para lá!

Bom, a questão é que as pessoas acabaram por se habituar...

A minha mãe, após uns tempos em plena negação, a referir-se à psiquiatria como "essa especialidade", começou a ver que até é uma das especialidades que avançaram mais nestes ultimos 30 anos, e neste momento, até manda a família, os amigos, os parentes, e os cobradores do fraque que os apoquentam terem comigo...

Combater o estigma é uma questão de hábito... De nos habituarmos a pensar noutra maneira... De percebermos que o estar doente é apenas um estado transitório e limitado, e que uma pessoa com doença mental pode fazer a sua vida... E divulgar essa forma de pensar. E não nos limitarmos àquela postura passiva-agressiva que caracteriza a sociedade em que vivemos...

E mesmo que tenhamos como dado adquirido o estigma, uma coisa serve-me de consolo... O estigma de um proctologista ou de um apontador de cavalos é incomensuravelmente maior... Por isso, ainda bem que não escolhi nenhuma dessas profissões... ;)