quinta-feira, 27 de novembro de 2008

quarta-feira, 26 de novembro de 2008

Eduardo mãos-de-tesoura




"Era uma vez um castelo no topo de uma colina, onde vivia um inventor cuja maior criação é o Eduardo. Apesar deste possuir um carisma irresistível, não é perfeito. A trágica e súbita morte do inventor deixou-o incompleto e dotado de afiadas tesouras em vez de mãos. Eduardo vivia sozinho na escuridão até o dia em que uma vendedora de Avon o adoptou, passando a viver com a familia desta. E assim começou a fantástica aventura no paraíso chamado Suburbia.
De Tim Burton, o realizador de A Lenda do Cavaleiro Sem Cabeça e Marte Ataca, chega-nos um inesquecível conto de fadas sobre o menos usual dos personagens. Com Johnny Depp, Winona Ryder, Dianne Wiest e Vincent Price como o Inventor."
in www.dvdpt.com


Eduardo mãos-de-tesoura é um filme que marca.
Conta a história de um ser diferente. Alguém cuja diferença é mais do que um par de tesouras no lugar de um par de mãos.
Conta a história de um par de tesouras que é mais do que um mero substituto das mãos. Dá azo a preconceitos, a discriminação, prejudica a comunicação, a inter-relação com os outros seres.
Conta a história de alguém que, apesar da diferença, tem sentimentos, ama, é ferido.

Conta a história de alguém, mais humano que muitos humanos, que se exprime fazendo esculturas de gelo, e magoa a pessoa que ama quando tenta demonstrar aquilo que sente...
Conta a história da pureza de espírito e o contraste com o cinismo, a inveja, o ponho-te-a-assar-no-espeto-só-porque-tu-estás-no-meu-caminho...


Há quem diga que o filme é, de certo modo, autobiográfico do realizador, Tim Burton, que, há quem diga, sofre de síndrome de Asperger.
Há quem diga que as mãos de tesoura de Eduardo são apenas uma metáfora da dificuldade em expressar sentimentos, em se relacionar com os outros, apesar da manutenção de um funcionamento quase normal ou normal.



O síndrome de Asperger, tal como a maior parte das perturbações do foro mental, pertence a um espectro - o espectro autista.

O autismo, na sua acepção psicopatológica, (ou seja, apenas em termos de sintomas e sinais, não de uma classificação nosológica/nosográfica) consiste na incapacidade de a pessoa se relacionar com os outros. Pode fazer, enquanto sintoma/sinal, e num sentido lato, parte de diversas perturbações, como a esquizofrenia ou alguns quadros depressivos.


Já em termos nosográficos, há várias características que distinguem o Autismo e o Síndrome de Asperger.

Assim, o autismo pressupõe um atraso global do desenvolvimento da linguagem.
Esta classificação não exclui, contudo, o facto de, no Síndrome de Asperger haver dificuldades na interpretação da linguagem além do concreto. As pessoas com Asperger podem não ser capazes de entender o humor, a ironia. Podem, igualmente, não ser capazes de identificar sentimentos noutras pessoas, ou exprimir os seus próprios sentimentos.

Por outro lado, a pessoa com autismo ou síndrome de Asperger pode, muitas vezes, sofrer de outro tipo de perturbações. (Como diria um médico que foi meu assistente de Pediatria, quem tem pulgas também pode ter piolhos...)

Podemos traçar um paralelismo com a surdez: imaginem vocês que a dada altura da vossa vida deixam de ouvir. A não ser que, tal como Beethoven, tenham a nona sinfonia na cabeça e não precisem do ouvido para nada, é possível que se sintam tristes, ansiosos ou, se a vossa personalidade tiver determinados traços, que desenvolvem comportamentos psicóticos - por exemplo, acreditem que as pessoas à vossa volta digam mal de vocês se não as conseguem ouvir.

Com as pessoas com síndrome de Asperger e autismo passa-se exactamente o mesmo. Não conseguem interpretar, não se conseguem relacionar, têm comportamentos e interesses obsessivos... Daí alguns sintomas secundários. Outros incluem as perturbações da atenção e a nível do comportamento alimentar.

O mais curioso é que, como espectro que é, há muita gente com discretos deficits funcionais da comunicação e da relação a passear por aí alegremente...
Alguns, diz-se, ocupam postos de chefia na política, na medicina, na esfera judicial e, pasme-se, até na psiquiatria, que é a especialidade da comunicação por excelência. (Já lidei com uma ou duas pessoas nestas circunstâncias...)

O autismo e o síndrome de Asperger não têm cura, de momento. Contudo, isto não significa que não se trate os sintomas: a ansiedade, a depressão, a disfunção da atenção... Não significa que não se ame, não se respeite, não se acolha, não se integre uma pessoa com síndrome de Asperger, porque, tal como Eduardo Mãos de Tesoura, esta, apesar de não o exprimir, tem sentimentos.

sexta-feira, 7 de novembro de 2008

Sonhos

A pedido de outra família, vamos começar, como se diz em "amaricano", por uma vignette...

"Vencido pela aridez da matéria que estou a estudar sinto que a realidade se começa a esfumaçar... Oiço ao longe a televisão, que dá um daqueles talk shows enfadonhos. De repente, vejo o meu tio Adolfo. Pensava que ele já tinha falecido, mas parece-me tão real... Debita-me um daqueles sermões, que faziam as delícias dos sobrinhos e primos, que fugiam a sete pés sempre que o viam... De repente, começam a surgir, de cada um dos lados do pescoço, mais duas cabeças. Uma delas chama-se Júlio César e tem uma coroa na cabeça... No entanto, é bastante parecido com aquele actor que faz umas peças no Casino do Estoril... No entanto, o meu tio Adolfo chama-lhe "primo Zé"... A outra cabeça é vagamente parecida com o um professor de história da minha escola secundária. Olha-me, do alto dos seus quase setenta anos, com aquele ar quase inquisitorial, por cima dos óculos, e com a voz entre o grave e o agudo: "O menino não sabe, hein? Estudasse!" No entanto, o meu tio Adolfo chama-lhe Pompeu... Pompeu para aqui, Pompeu para ali... como se isso fosse nome de gente... Viro as costas e dou comigo em Paris, em frente à Catedral de Notre-Dame. Curioso, pensei que já lá tinha estado, mas se calhar não... sinto-me como se fosse a primeira vez!
Entretanto, o monstro tricéfalo liderado pelo meu tio Adolfo persegue-me. Quer, à viva força que eu lhe preste atenção, mas eu fujo pela margem do rio. Tento deixá-lo para trás, mas a cada passo que dou, o monstro dá dois.
Está quase a alcançar-me quando sinto que alguém me puxa pelo braço.
Acordo esbaforido. A minha mãe apercebeu-se que adormeci, vencido pelo cansaço, ao estudar para o teste de história de amanhã, sobre o primeiro triunvirato romano, entre outras matérias e deu-me um delicado safanao no braço. Acordo estremunhado, com a sensaçao de quem nao sabe muito bem de que terra é... mas com o alívio de me ter safado de um sermão "Adolfiano"..."

O que dizer sobre os sonhos?

Será que têm o significado premonitório bíblico?

Em primeiro lugar, há que dizer que, se para Freud eles eram a "expressao de um desejo suprimido ou alcançado", me parecem ser muito mais do que isso. Sao o reflexo de um conjunto de estímulos externos e internos que ocorrem durante um estado de semi-consciencia, em interligaçao com os dados que ja se encontram na memória, consciente ou inconsciente, com o humor, com os pensamentos que afloraram à nossa mente durante o dia.
Um exemplo disto, é a distençao do músculo liso da bexiga, com a consequente erecçao reflexa nos homens, que coincidem justamente com os sonhos com a Laetitia Casta ou, mais lusitanamente, com a Soraia Chaves, a menina do gás, ou qualquer outra ninfa com um busto acima de um determinado patamar...
Dizem também alguns autores que é um processo que permite ao nosso sistema de memória, que faz parte, pensa-se, de uma estrutura chamada sistema límbico, apagar os dados que se tornam obsoletos, e permitir assim o armazenamento de novos dados através do estabelecimento de novas conexoes entre neurónios.

Por isso, duas coisas a reter:

  1. Se estao com uma depressao, com o humor em baixo, nao esperem ter sonhos muito agradáveis...
  2. A Soraia Chaves faz com que muitos homens se esqueçam das coisas.

quinta-feira, 6 de novembro de 2008

Contenção

O meu amigo JC (abraço para ti, pá!) foca aqui um tema que tem um peso cada vez maior na pedopsiquiatria - a incapacidade de contenção das crianças por parte da família. Para onde caminhamos?

O roubo

O tempo tem sido escasso, e, consequentemente os posts também!

Estou em congresso, algures numa cidade espanhola, a enjoar de paella, mas não de tapas e montaditos, para mal dos meus pecados, nutricionalmente falando.

O trabalho tem sido intenso. Os congressos espanhóis são congressos a sério, com muita investigação básica e clínica na primeira pessoa, e alguns pesos-pesados da psiquiatria mundial.

Ontem, ouvi falar de doença bipolar.

Para os mais desatentos, a doença bipolar é uma perturbação que cursa com episódios depressivos, maníacos e mistos.

Muito resumidamente, nos episódios depressivos, a pessoa tem humor triste, falta de prazer nas actividades que antes lhe davam prazer, desespero, fadiga, diminuição do apetite ou aumento, diminuição da actividade motora, pensamentos/visão depressiva sobre o futuro, sobre si próprio e sobre os outros... Na mania, a pessoa tem exactamente o oposto: está expansiva, eufórica, cheia de energia, com o pensamento com uma velocidade de fazer inveja a um adepto de street racing, gasta rios de dinheiro, pode inclusive ter convicções fixas, persistentes, não rebatíveis à argumentação lógica (chamadas delírios) de que é um imperador, ou de que é um deus, ou um profeta...

Muitas vezes, e esse foi um dos pontos centrais do debate, a doença bipolar passa muitas vezes despercebidas, mesmo aos olhos dos psiquiatras mais treinados, porque nem sempre dá sintomas tão exuberantes como querer comprar a ponte Vasco da Gama, nem que seja às prestações. Com efeito, andar contente das ideias e cheio de energia para fazer tudo dá jeito a qualquer pessoa...

Aqui, é possível ver um desenho feito por uma doente, que retrata de forma bastante bem conseguida as duas fases da doença:




Voltando à conversa, a mania cursa muitas vezes com desinibição, e deu origem a uma das histórias mais curiosas que me aconteceram:

Uma doente, com doença bipolar bastante grave, com vários internamentos, mas que, curiosamente, desde que passou a ser seguida no privado, nunca mais foi internada, (nao, nao vou ser o próximo Mourinho da psiquiatria, mas o que é certo é que eles às vezes até melhoram...) chegou-me ao consultório algures no Verão passado com ar efusivamente alegre, de olhos esbugalhados:

- Dr, tenho um presente!

Perante o meu "Não precisava de se ter incomodado", ela lá colocou uma caneta em cima da mesa. Depois, lá me segredou, para que a irmã, que ainda não tinha entrado na sala, a não ouvisse:

- Roubei-a para si!

Depois de um estupefacto, "o quê?", e oscilando perigosamente entre a reprimenda paternalista que se impunha e o disfarçar da vontade de começar a rir a bandeiras despregadas, lá consegui explicar à doente que aquela não era a atitude mais adequada...

E, depois de uma conversa bastante grande, acabei por lhe subir a medicação antipsicótica, de forma a controlar o episódio maníaco...