terça-feira, 5 de maio de 2009

Crónica dos bons psicomalandros (2)

Hoje, vamos falar sobre reformas.
Não, não vamos ter uma dissertação de 500 paginas sobre o programa de nenhum Governo para a última gripe da moda, que mata centenas de vezes menos do que a mais modesta tuberculose mas tem direito a maior cobertura mediática, e até já foi, pela negativa, estrela de telenovelas...

Vamos falar mesmo sobre reformas...

O bom psicomalandro que se preze, que tenha menos de quatro tumores malignos em coabitação um pouco menos que pacífica no seu organismo e menos de 65 anos de idade não é, como é do conhecimento público, elegível para a reforma.
Assim, este blog dá umas dicas para quem se quer reformar usando a psicomalandrice.

  1. Abra o DSM-IV TR (ou versão mais recente que vier a ser entretanto publicada). Para quem não sabe, o DSM-IV TR é a bíblia da psiquiatria americana. Contém, num formato redutor q.b., com a consideração que os americanos sempre se habituaram a dar ao trabalho feito pelas pessoas do resto do mundo, a súmula dos diagnósticos psiquiátricos.
  2. Escolha uma doença (ou grupo de doenças) da sua predilecção.
  3. Decore os critérios, vírgula por vírgula, ponto por ponto, dessa doença. Sublinhe a marcador os termos que lhe parecerem mais esquisitos e veja num dicionário.
  4. Note que, como bom doente psiquiátrico americano de estudo, não deve ter aquilo que os médicos chamam comorbilidades - por exemplo, consumir álcool, drogas ou CD's do Toy. Não pode padecer de outras doenças, desde a gripe das aves até à rinite alérgica. Não deve ainda estar a fazer qualquer tipo de medicação, incluindo, se é mulher, o medicamento-que-faz-com-que-a-pessoa-vá-para-a-farra-e-evita-que-tenha-surpresas-ao-fim-de-nove-meses. (vulgo, pílula)
  5. Fale com o vizinho do lado, o padre, o ajudante de farmácia lá da terra, o tipo que encontra a sair de casa da sua vizinha quando o marido dela não está, a senhora que vende hortaliças lá na praça e o polícia sinaleiro, e diga-lhes que se quer matar. (este passo tem algo de comum com o tutorial anterior)
  6. Tente resistir ao genérico que o ajudante de farmácia lá da terra lhe quer vender, dizendo-lhe que até lhe trata as varizes. Afinal de contas você não se quer tratar. Quer é reformar-se.
  7. Fale com o médico de família. Recite-lhe a cantilena que aprendeu com o DSM-IV. Com sorte, ele referencia-o a um psiquiatra.
  8. Quando, ao fim de uns meses, chegar à consulta de triagem da psiquiatria, diga ao médico apenas os termos mais esquisitos, sem vírgulas nem pontos finais. Se tiver sorte, o clínico achará que está com uma perda de associações lógicas do pensamento, e, ou o interna num serviço de psiquiatria (veja o ponto seguinte) ou envia-o para a consulta de um qualquer interno do segundo ano de especialidade.
  9. Se for internado, saiu-lhe a sorte grande. É que o internamento conta para o curriculum...
  10. Uma vez na consulta, recite ao interno do segundo ano a referida cantilena. Não se preocupe se falhar algum ponto, porque não há psiquiatra que a saiba toda de trás para a frente.
  11. Se tiver alguma sorte, o interno da especialidade manda-o fazer uma data de exames. No mínimo, EEG e avaliação psicológica.
  12. Em relação à avaliação psicológica, sugerimos apenas que não responda coisas muito lineares... Basta "os seios da Sónia", se lhe mostrarem pranchas de Rorscharch.
  13. Se por acaso o diagnóstico do interno de psiquiatria não coincidir com aquele que leu, no DSM-IV, pergunte directamente ao interno de psiquiatria: "Soutor, o que é mais grave? Perturbação (a do DSM) ou aquela que está a dizer?"
  14. Leve o relatório que for feito a uma junta médica.
  15. Se a junta médica estiver de bom humor, está com sorte. Se não, chore copiosamente quando lhe disserem que não tem idade para ser reformado/a. Imite a dança das formigas assassinas em plenas instalações da junta e repita todos os passos.

sábado, 2 de maio de 2009

A minha consulta não é assim...



Digam lá que "estacione as ancas no assento" não é uma coisa bonita de dizer para se iniciar uma consulta... Tão romântico quase como o "Deite-se na marquesa e abra as pernas" dos ginecologistas...