quinta-feira, 26 de março de 2009

Jeremy

Hoje, dei de caras, na MTV, com uma das bandas da minha adolescência. É certo que a qualidade das músicas não é a mesma, mas há músicas que ficam para sempre...



Jeremy fala sobre um rapaz como qualquer outro, que foi transferido de escola secundária, num contexto de uma família problemática. Marcado pelo abandono da mãe e pela indiferença da pai e da sua companheira, Jeremy era um rapaz profundamente depressivo.
Esteve internado, e sujeito a tratamento psiquiátrico, mas de acordo com algumas fontes, quando o dinheiro do seguro acabou, foi dado como "curado" e transferido de escola.
Isto conduziu a um isolamento social cada vez maior, a juntar a um ostracismo dos colegas face a uma pessoa que desconheciam.
A revolta de Jeremy aconteceu quando cometeu o suicídio, de forma dramática e violenta, em plena sala de aula, com uma Magnum .347.
Assustadoramente, a história relatada é verídica...

sexta-feira, 20 de março de 2009

A próstata

Estava eu, outro dia, em casa da minha mãe quando tocou o telefone. Atendi-o.

(E o diálogo que se segue tem o seu quê de insólito...)

- Estou?
-Boa noite, primo.

-Olá, boa noite, prima. - tentei parecer o mais cordial possível, apesar de não reconhecer a voz. É que para quem não sabe, na terra da minha mãe, não chamar primo a uma pessoa que não se conhece de lado nenhum e que a única coisa que nos une é o facto de o trisa-tetra-avô ser primo em 5º grau, por afinidade do avô congénere dele, é considerado deselegante, quase sinal de má-educação...

-A sua mãe está, não está?(...) Não sabe quem é que fala?

- Pois, de facto não...

- É a prima Otília, mulher do falecido primo António Alberto...

- Ah, como está?! - tentei novamente parecer o mais cordial possível, disfarçando o facto de não fazer a mais pálida ideia de quem se tratava... - vou já passar à minha mãe.

- Mas escute - atacou a interlocutora - diga-me uma coisa: o meu Zé Manel fez um exame à prostata e diz que a próstata pesa 32 gramas... Acha que ele a deve tirar ou não?

- Pois, eu não tenho dados suficientes para responder a isso... - disse eu, mal disfarçando a surpresa - que idade tem o seu filho?

- Tem 53 anos.

- De facto não tenho dados suficientes nem sou especialista. Mas a prostata aumentada é normal em todos os homens a partir de uma certa idade... é melhor consultar um especialista... [ainda pensei em dizer o clássico "eu não sou de cá, eu só vim ver a bola. Sei onde é a cabana dos coiratos e a casa de banho...", mas contive-me...]

-Mas sabe onde há bons especialistas na próstata? Ouvi falar no Hospital da Luz, que é onde estão todos os especialistas bons em Portugal! É que se ele tiver que ser operado, quero que seja no Hospital da Luz, porque houve uma moça da minha terra que teve lá um filho e foi muito bem atendida!

- Especialistas bons há em muitos sítios... (...) Mas eu vou passar à minha mãe, está bem?

Depois do adeus da praxe, a minha mãe lá lhe explicou, pacientemente, durante cerca de 1 hora, que os hospitais privados normalmente fazem-se pagar bem, e que não era por a prostata pesar uns gramas a mais que seria logo operado.

Deste episódio tenho dois ou três pedidos de desculpa a fazer à minha família:

  1. Desculpem-me o facto de eu, talvez, numa atitude de indisciplina inconsequente, ter faltado à aula em que falavam sobre o peso do órgão, e não saber de cor o peso das próstatas alheias.
  2. Desculpem-me o facto de, só com esse dado, não ter conseguido dizer qual a manobra terapêutica necessária - uma prostatectomia radical, uma castração química, ou um tratamento psiquiátrico à mãe do futuro (ou ex-futuro, se o conseguirmos salvar a tempo) prostatectomizado...
  3. Desculpem-me o facto de não conseguir tomar essas decisões de ânimo leve. Tivesse eu coragem e a primeira coisa que faria depois do pequeno almoço seria prostatectomizar alguém... Mas não tenho. A única coisa do género que tenho umas luzes, não tão ténues quanto isso, de como se faz (mas que, aliás, é tremendamente eficaz...) é electroconvulsivoterapia... E essa não é uma decisão que se tome de ânimo leve, apesar de os riscos serem pequenos face ao benefício...


sábado, 7 de março de 2009

Nas urgências - a gravidez

Confesso - até nem desgosto de fazer urgências. Não fossem as noites quase em claro, o volume intenso de trabalho, o gabinete sem condições e o jogo-do-empurra e as sabujices, praticadas por certos colegas de outras especialidades, que vêm a psiquiatria como saída para os casos sociais e para as situações, que apesar do seu foro, não querem assumir, até poderia dizer que gosto mesmo de as fazer.

Há situações que, desde que tenha o devido tempo para tal, me põem a pensar...

O telefone do meu gabinete tocou. Pedi desculpa à doente que estava a atender. Era uma médica de outro hospital que, por não ter urgência de psiquiatria, é cliente habitual do hospital onde presto esse serviço, no que toca a transferências de doentes para observação por psiquiatras.

Identificou-se.

- Colega, tenho aqui um caso que não sei como hei-de dar volta. Uma senhora que está com uma crise de ansiedade, porque descobriu que está grávida de 5 semanas, e o médico assistente suspendeu-lhe a medicação antidepressiva que fazia há muitos anos.

Acabámos por combinar que a colega me enviasse a doente para eu a observar.

(Se, muitas vezes, nos enviam os doentes sem o mínimo de indicação para ser observadas na urgência de psiquiatria, porque não enviar-me a senhora, dada a situação da gravidez?)


Quando a senhora veio, não vinha sozinha. Vinha com mais uma doente.
Recolhi as fichas que o maqueiro da ambulância me estendia e perguntei, sorrindo:
- Quem é que quer ser a primeira?
- Quero eu! - disse-me logo uma doente, sorridente, com o ar, diga-se de passagem, deprimidissimo, de quem acabou de ingerir medicamentos após uma discussão com o marido. (que era o que, de facto, se tinha passado...)
- Qual das senhoras é que está grávida? - se até nos autocarros as grávidas têm prioridade, porque não naquela situação?
- Ah, isso não! - respondeu-me a senhora sorridente.
Mandei entrar então a outra senhora.

Estava a fazer antidepressivos desde a morte de um filho, aos 8 anos de idade. Desde aí, tinha começado com crises de ansiedade súbitas, sem objecto (crises de pânico), acompanhadas de tristeza, ansiedade, perda do prazer naquilo que fazia.


(Já agora, o vídeo é sobre perturbação de pânico, e está excelente...)

Tentou, por várias vezes, sob orientação médica, parar lentamente com a medicação.
Não conseguiu. Os sintomas da doença voltavam ao fim de algum tempo. A perturbação de pânico tinha-se tornado crónica.

Quando descobriu, com alguma surpresa, mas com satisfação, que estava grávida, foi ter com a médica psiquiatra assistente. Dado que a senhora estava medicada com paroxetina, um fármaco que tem sido associado a malformações cardíacas no feto, nalguns relatos de caso.

A médica, alarmada, sugeriu a interrupção imediata da medicação.

Quando se interrompe certos antidepressivos (uns mais que outros)´de forma abrupta, surge um conjunto de sintomas que nós chamamos, no nosso "mediquês", de ansiedade de rebound.
Não é mais do que uma crise de ansiedade, que pode ou não ter sintomas associados à ansiedade como as dores de cabeça, o nó na garganta, as mãos a bater...

Foi este o caso, e daí a vinda da senhora à urgência.

Como já estava mais calma (tinha-lhe sido administrado um ansiolítico no outro hospital), expliquei-lhe o que havia de evidência em relação ao uso de antidepressivos (neste caso, os damesma classe do Prozac), na gravidez. Em grávidas não há estudos controlados sobre o facto, mas, em relação a alguns antidepressivos desta classe, não se provou que fizessem mal ao feto (mas também não se provou que fossem inócuos).

Ofereci-me, ainda, para a medicar com o fármaco que, nestas condições, se revelou, pela experiência, ser mais seguro (sertralina).

Contudo, remeti essa decisão para a utente em causa.

No fim da minha explicação, a senhora perguntou-me:
-Doutor, mas garante-me a 100% que o medicamento não faz mal ao bebé?
-Não, não garanto a 100%. Mas a experiência clínica é favorável!
Foi então que a resposta me espantou, apesar de, na minha especialidade, se poder esperar tudo...
-Assim, prefiro tirar o bebé, que Deus me perdoe... Se não é possível garantir que o medicamento não lhe faça mal... Eu não quero fazer medicação estando grávida, mas também não consigo estar assim...

Apesar de reconhecer e apoiar a capacidade da mãe para decidir nesse caso, contra-argumentei, perguntando-lhe se tinha a certeza daquilo que queria fazer, e que tal decisão não poderia ser tomada de forma leviana. Recomendei também que falasse com o pai da criança.

-A decisão está tomada. Eu quando tomo uma decisão vou até ao fim.

Perante isto, encaminhei-a de volta para o hospital de origem, para que este o referenciasse ao serviço de Obstetricia da área.