terça-feira, 5 de janeiro de 2010

Ecce homo...

"A homossexualidade não é uma doença" - a frase, repetida até à exaustão pelo assistente que me calhou na rifa em tudo quanto era aula prática de Psiquiatria, na faculdade, ganhou um novo ênfase nos últimos meses.

Saiba-se lá porquê, os media deste canto da península Ibérica (há quem diga que pertencemos ao continente europeu...), desataram, há uns meses, a apregoar aos quatro ventos, a existência de uma suposta "cura" para a homossexualidade.

Quer dizer, lá porque a malta tem um curso de Medicina, e, de vez em quando, ser equiparada à categoria de  Divindade (com direito a queixas nas mais altas instâncias judiciais deste país, nomeadamente, os tablóides) nós podemos escolher quem é que gosta de meninas e quem é que gosta de meninos, ou que cavidades corporais é que as pessoas usam, e para que funções...

Decerto honrado por ter sido promovido a moralizador das cavidades corporais do pessoal, o sempre douto colégio de Psiquiatria da Ordem dos Médicos levou como trabalho para casa a elaboração de um parecer sobre esta matéria. Lá se pronunciou, da forma diplomática que lhe é característica, reiterando a frase predilecta do meu assistente, mas dizendo que havia, ainda, na classificação da Organização Mundial de Saúde, uma coisa reminiscente, chamada Homossexualidade Egodistónica.

E aqui é que a porca torce o rabo... Salvo seja, porque ninguém quer discriminar a porca!
Egodistónico é um palavrão que se usa quando aspectos do comportamento, dos impulsos, dos pensamentos ou da personalidade são desconfortáveis para um indivíduo, ocorrendo não por sua escolha mas contra a sua vontade.

Para perceber este laivo de "psiquiatrês" que é o conceito de egodistonia, deixemos por agora a questão da homossexualidade: imaginemos uma pessoa a quem acorrem à cabeça, de forma sistemática e contra a sua vontade, ideias de bater na sogra. Não é assim tão comum, mas suponhamos que essa pessoa até gosta da sogra. De repente vêm estas ideias à cabeça, não havendo outro remédio senão lutar contra elas...
A questão é que lutar contra estas ideias dá uma trabalheira enorme. Pode, por exemplo, fazer com que a pessoa deixe de fazer a sua actividade normal... Pode, inclusive, conduzir a ansiedade e depressão, com agravamento dos sintomas. É este o significado de egodistonia.

A intervenção de qualquer técnico de saúde mental vai no sentido de baixar, à pessoa em questão, os níveis de ansiedade, os quais aumentam, em espiral, a egodistonia, bem como impedir que a pessoa fique presa à volta do mesmo pensamento. (não é o pensamento em si mas o "ficar presa" que nos preocupa...) Isto faz-se com psicofármacos, com psicoterapia e com psicopedagogia...

Portanto, em relação a esta questão, aquilo que se vai tratar é essa tal de egodistonia.

Com a homossexualidade egodistónica, deverá passar-se o mesmo. O cerne da questão não é o ser-se homossexual, mas sim a egodistonia, nestes indivíduos.  É ela, bem como as suas consequências, que deve ser alvo de tratamento... e sempre, como em tudo na medicina, com o consentimento livre e esclarecido do indivíduo em questão...

Agora, dizer que a homossexualidade é uma doença e tem tratamento, é tão verdade como dizer que, numa mulher, ter peitos pequenos é uma doença e que se deveria pôr os Wonderbra à venda nas farmácias sob prescrição médica, e comparticipar os implantes de silicone... (Com a devida vénia às senhoras que lêem isto e deixando que façam a analogia com o equivalente no sexo oposto...)

3 comentários:

Atena disse...

Vim parar aqui por acaso e... bom, peço desculpa mas isto é muito bem disposto. Agrada-me o género humorístico que demonstra, para além de toda a informação útil que ao mesmo tempo se consegue daqui "extrair". Conclusão tenho de passar a seguir-lo... (Ao Blog, quero dizer).
Abraço e parabéns, excelente postagem

IsabelCunha disse...

Sempre uma lufada de ar fesco este blog! Obrigada

Psiquiatra da Net disse...

Obrigado pelos comentários :)