segunda-feira, 22 de fevereiro de 2010

Quickie

Como se deixa uma pessoa com personalidade obsessiva ocupada durante meia hora?

  1. Dá-se-lhe um papel e uma caneta 
  2. Retira-se computadores, telemóveis, calculadoras, e todo e qualquer objecto que seja mais recente que um original d'Os Lusíadas... 
  3. Pede-se para calcular o valor de PI com 1000 casas decimais.
Como se deixa um hiperactivo com déficit de atenção ocupado dois dias?

  1. Retira-se o papel e a caneta (se houver)
  2. Dá-se-lhe um computador com acesso à internet e 200 jogos instalados.
  3. Diz-se-lhe: "Agora não sais daí enquanto não escreveres um ensaio de 1 página a descrever a paisagem que vês da tua janela"

terça-feira, 16 de fevereiro de 2010

De molho...


Quando os doentes da nossa consulta de segunda-feira à tarde se despedem de nós, numa clara inversão de papéis, com a expressão "Então as suas melhoras, doutor...", há um sinal de que algo se passa, e que é tempo de pararmos um bocadinho...
Confesso que detesto estar engripado... A sensação de apneia causada pelo nariz obstruído, as dores musculares, como quem ficou todo partido do ginásio sem ir lá há uns bons meses, a tosse, produtiva,  de 15 em 15 segundos (sobre a qual não vou ser escatológico o suficiente, a ponto de descrever a semiologia da expectoração), as noites perdidas entre lenços de papel cheios, a cabeça como se tivéssemos duas ressacas ao mesmo tempo, dão-me cabo da paciência...
Do lado positivo, há o beijo agri-doce da vitamina C, o sumo de laranja feito pelo robot de cozinha que custa o equivalente ao PIB de um pequeno país Africano (com o devido respeito pelos pequenos países africanos) mas pelo menos faz umas sopas, a justificação mais que muita para se estar a dormir...
Portanto, tive de decidir passar o Carnaval mascarado de enfermo... Só espero é que, à semelhança do jogo da infância de algumas das pessoas que nasceram na década de 70, ou no início da década de 80, não me venham tirar peças de plástico cá de dentro e não me obriguem a fazer buzz...

quinta-feira, 11 de fevereiro de 2010

Mau génio




Ricardo Araújo Pereira é, para muitos, o melhor humorista português. Para outros, nomes como Herman José, Badaró, Raúl Solnado, Vasco Santana ou José Sócrates são mais do que consensuais... Outros, ainda, argumentarão que o humor é uma característica do povo português, patente em obras magistrais como o Processo Apito Dourado, ou que o melhor humorista é um anónimo jornalista do "24 horas" (para não ser sempre o "Correio da Manhã" o culpado), que escreve todos os dias com um pseudónimo diferente...
Para mim, um dos melhores humoristas portugueses de todos os tempos é André Brun.  E não, não estou a brincar aos pseudo-intelectualóides de esquerda que devoram filme franceses ao pequeno almoço, em vez de comerem criancinhas... É mesmo sincero...
André Brun viveu no Portugal do início do Século Passado, que, pelos vistos, era em tudo semelhante ao Portugal de hoje, só que com menos défice orçamental e com o petróleo mais barato...
Numa altura em que quem sonhasse sequer com a ideia de haver possibilidade de falar à distância com outras pessoas, ou de ler textos que existem apenas numa realidade etérea, daria direito a exorcismo imediato, André Brun consegue a proeza de retratar, com uma penada, há 96 anos, a maioria dos comentários dos leitores online do Correio da Manhã (isto é perseguição!!!) ou do Público...


"MAU GÉNIO


Está demonstrado que um portuguez mata sete pessoas por dia, em média. Logo de manhã acorda e pergunta se já viéram as botas do sapateiro, onde estão a receber fabrico de meias solas e atacadores novos. Ao saber que o homem faltou como um cão ao prometido, primeiro homicídio:
- Mariola! Bandido! Pulha! Safardana! Com que botas hei-de sair agora? Só dando um tiro naquêle tipo...
A família lá o aquiéta com um chavena de café com leite, calmante poderoso para o alfacinha, e dá-lhe os jornais para lêr. Logo na terceira coluna vem a transcrição duma gasêta estrangeira, em que o regimen é caluniado e se reclama a intervenção das potências. O furôr não conhece limites:
- Ah cães! Infames! O que êles precisavam era a lingua cortada, a mão decepada, o bofe arrancado pelos tornesêlos e a vida fóra...
Para socegar os nervos, lê o anuncio do Zé Clemente, levanta-se, lava a cara e vae almoçar. Comparece um bacalhausinho, cercado duma numerosa comissão de grêlos. Fala-se na carestia dos géneros alimentícios, na exploração dos revendedôres, e erguida a faca escorrendo aseite, o nosso amigo berra:
- O que êles precisavam sei eu! Não querem crer que isto não vae lá doutra maneira. Se eu governasse meia hora, enforcava meia dûsia e veriam como isso ficava de emenda...
Enrolado o guardanapo, sae o homem á rua. Está uma carroça parada e um brutamontes á pancada ao pobre cavalinho? Claro está que a unica maneira de remedear o caso era dar uma chicotada no selvagem e matá-lo para o ensinar a viver. No placard dum jornal lê-se que um chauffer atropelou um cidadão pacato e ordeiro? Forma de faser justiça: fusilar metade doschauffers e pegar fôgo aos automoveis que andem com excesso de velocidade. Se acrescentarmos a isto que os sindicalistas todos deviam ser fritos em aseite, que os namorados que matam as namoradas se lhes deviam arrancar as unhas dos pés, etc., etc., podemos faser uma pequena ideia do pitorêsco que teria a existencia, se fosse regulada pelas impulsões de que os portuguêses são tão pródigos. Nas questões particulares nem se fala. Todos nós temos pelo menos cincoenta vitimas em vista, pessoas que nos têm sido desagradeveis e a quem aplicariamos os mais inquisitoriais tormentos.
Afinal de contas somos todos incapases de faser mal a uma mosca e estamos sempre prontos a lançar nos ao mar para salvar uma sardinha que corra risco de se afogar.

André Brun, 30-Junho-913"


Nota: O texto é transcrito com a ortografia original, numa altura em que placard se escrevia placard e não placar... O clube de fãs de Malaca Casteleiro e do Acordo Ortográfico que se insurja a ver se eu me importo....