terça-feira, 11 de julho de 2023

The sad clown paradox

 Há uma história antiga, quase do tempo em que os animais falavam, utilizando expressões como "Apre, menino, que ferro!" para dizer "Isto é uma seca!", que reza da seguinte forma:

"- Um médico, famoso no seu tempo, é consultado por um homem que se encontra triste e perdeu o gosto nas actividades que fazia, outrora prazerosas.

Não havia, na altura, psicologia (ou se calhar já havia, mas ainda nos seus primórdios). O que não tinha, ainda evoluído do tronco comum da Medicina era a Psiquiatria. Não existia psicofarmacologia, nem qualquer outro tipo de tratamentos utilizados para a depressão.

Face aos cânones que tinha aprendido na faculdade [na altura não havia, amiúde, congressos, e presumo que qualquer tratamento que não fosse uma sangria seria considerado um grande avanço científico], o eminente seguidor de Hipócrates fez a sua prescrição: 

- "Excelentíssimo senhor: [diz-se que era assim que eles falavam na altura... ] queira vossa excelência assistir ao grandioso espectáculo de circo que acaba efectivamente de chegar à nossa mui ilustre cidade. E queira V. Exª ver o maravilhoso número do "Palhaço" (um famoso comediante que trabalhava no circo). Está nele a cura para o seu mal."

Na altura, caros amigos, não existia Infarmed nem European Medicines Agency. O circo não tinha sido submetido a rigorosos ensaios clínicos, contra placebo e contra comparador activo, sempre com a garantia de que se cumpririam todos os preceitos éticos e não seriam lesados animais.

Tão pouco o Palhaço tinha sido certificado na sua produção. Nem tinha sido submetido a rigorosos controlos de qualidade, antes e após a venda dos bilhetes.

Seguramente, o homem não era sabedor de tal facto. Todavia, levantou-se, e retorquiu timidamente, qual contraindicação constante num resumo das características do medicamento: 

- Mas, excelentissimo e ilustríssimo Senhor Doutor: Curvo-me, chego com os pés ao chão e ergo altares lá em casa para Vossa Excelência. Peço perdão e humildemente me fustigo por sequer ousar dirigir a palavra a tão grande e nobre figura da Academia, mas... eu sou o Palhaço...

****

Não se sabe o corolário da história. Se tal se passasse hoje, o médico seria obrigado a reportar, para o departamento de farmacovigilância do circo, tal evento adverso.

Mas, é certo, que, hoje, os animais não falam... comentam nos sites de certas publicações que se dizem jornais. 

As pessoas já utilizam termos mais coloquiais, e "Mano" passou a ser uma interjeição como qualquer outra. 

Os médicos já não são venerados como se de um Deus na Terra se tratassem, e os circos... bem, os circos... lutam contra a oposição de activistas radicais do PAN, que se esquecem que eles próprios são animais enjaulados neste Planeta...


Mas os palhaços tristes permanecem. 

Dizem os psicanalistas - os tais que se regojizam sempre que, em consulta, dizemos cobras e lagartos da nossa mãe - e em particular um autor chamado Janus, que os comediantes são brilhantes, furiosos, desconfiados, (...) deprimidos, tímidos, sensitivos e com medo, que lutam contra os seus medos constantemente.

O que é certo, é que estudos subsequentes associam determinados traços de personalidade - sobretudo baixa conscienciosidade e baixa extroversão , bem como alta abertura para a experiência, à profissão de comediante.

É devido à baixa extroversão (ou alta introversão) que os comediantes têm, parte deles personas diferentes dentro e fora de palco.

E estes traços de personalidade não surgem do nada. São a forma como vamos desenvolvendo a nossa maneira de ser ou estar perante nós próprios e perante os outros, ao longo da vida. Têm em conta o nosso temperamento, mas também a forma como nos vamos relacionando com "a nossa circunstância". Como vamos sobrevivendo. Como vamos, parafraseando Carlos Tê, aprendendo "de tanto saltar muros e fronteiras" e crescendo "com a força bruta das trepadeiras".

E o certo é que a nossa cultura retrata, desde há séculos, o tema (veja-se, por exemplo, a ópera de Leoncavallo). Da mesma forma, vieram a revelar-se  palhaços tristes muitos dos que fazem parte do nosso imaginário. 

***

Quanto a mim, fui e sou palhaço triste.

Fui palhaço triste, quando confrontado com a doença de Alzheimer de um familiar próximo. Ao menos punha uma pessoa, que já mal me conhecia, a rir a bandeiras despregadas, e calava-me por dentro.

Fui palhaço triste, quando coloquei na boca de personagens fictícias, ao longo dos últimos anos, tudo aquilo que o meu coração envenenado não ousou verbalizar. Punha outra pessoa a rir, e calava-me por dentro.

Fui palhaço triste quando lidei com a simples ansiedade de estar com os outros. Punho os outros a rir e calava-me por dentro.

Porque quando deixar de ser triste deixarei de ser palhaço.

terça-feira, 24 de novembro de 2015

Aquele abraço...

Acordei cedo.
Às 6 da manhã, como se uma vela se tivesse apagado.
Acordei a sentir aquele vazio existencial que às vezes as pessoas sentem. Despachei-me de forma atabalhoada. Fui pelo caminho zangado com tudo e com todos. No fundo, comigo próprio.
Entrei no serviço atrasado. A secretária de unidade, aquele elemento frenético da equipa sem o qual o Serviço não existia como Serviço, e a quem habituei, desde que lá estou, a tratar, de forma recíproca,por tu, esperava por mim, de pé, a porta do meu gabinete, com ar grave, e deu-me a notícia: 
- Tenho uma má notícia para ti -  faleceu uma das tuas doentes... a Srª X...
Fiquei estarrecido. Não estava à espera.
Fiz o possível por saber o que se tinha passado. Pedi à Secretária para ligar a uma das Irmãs, que a tinham acompanhado no Hospital desde o primeiro minuto. 
Família unida, pensara, quando internei a Srª X. 
Não deixarei de recordar o rapport hostil de uma das Irmãs nessa data. Estava zangada com o Sistema, e com toda a razão. E, naquela sala da Urgência, eu personificava o Sistema...
Não deixarei de recordar a reunião, uma semana depois.
Iniciei-a com o sentido de humor que tento imprimir no meu dia-a-dia e que está para mim como as luvas estão para o cirurgião. Perguntei, logo à entrada, à Irmã, se me ia bater... Recebi de resposta, com um sorriso: "Hoje não, Doutor..."
Dei-me conta da razão de ser do rapport hostil... A hostilidade era a de quem tinha sentido na pele a Doença do Pai, e via o Tempo descrever uma das suas piruetas repetindo a História Natural da Doença, e tudo o que lhe está associado - o sofrimento , o estigma, a sensação de impotência/revolta dos familiares -  na Srª X. Era a de quem defendia os seus, no matter what...
Não deixarei de recordar que estive a falar duas horas com as Irmãs. No início, foi uma conversa como qualquer outra das conversas com familiares - psicoeducativa, um pouco asseptica. Mas a frieza das pessoas feitas números, que, por vezes me faz querer pendurar a bata, deu lugar ao calor humano das pessoas feitas Pessoas, que me faz querer continuar a fazer clínica até poder. Tal é a ciclotimia da profissão... Falámos dos constrangimentos da prática medica, de erro médico, de sistemas de saúde. Falámos de perturbação mental e de Cidadania. Do ser Humano que existe para lá do Doente,  do ser Humano que existe para lá do familiar, do ser Humano que existe para lá  do médico. 
Não deixarei de recordar a vontade de continuar a conversa, não tivesse eu que ir ver uma doente a outro sítio, e de querer que nos tivéssemos encontrado noutro contexto qualquer.
Não deixarei de recordar o "não só não lhe bato como lhe dou o Abraço da Paz" no fim da reunião...
... e a Srª X tinha falecido... Aquilo não estava a acontecer!
Liguei a uma das Irmãs. Perante a urgência da situação, não tive outra hipotese, senão dar-lhe, telefonicamente, a infeliz notícia, da forma menos atabalhoada que consegui, e disponibilizei-me para as receber, tendo desmarcado os compromissos que pude. Cumpri os compromissos que não pude desmarcar de forma absolutamente mecânica e em piloto automático. Pura e simplesmente não dava para o fazer de outra forma.
Reuni com as Irmãs. Tentei descrever o que se tinha passado de forma tão factual quanto possível, mas não consegui disfarçar a voz embaçada e os olhos molhados, nem deixar de lhes dar um abraço, violando a suposta neutralidade da relação médico-doente ou médico-família. 
A voz embaçada de quem lhe apetecia pendurar a bata e escaqueirar, tal como um dos meus doentes da consulta desse dia, num acesso de raiva, a primeira porta que lhe aparecesse à frente e os olhos molhados de quem se sentia muito, mas muito pequenino.

E as Irmãs notaram-no. 
De tal forma, senti que acabaram por ser elas a confortar-me, numa irónica inversão de papéis...

Lidar com a morte de um doente nosso é algo que, como me disse outra das Irmãs, "não nos ensinam na Faculdade". Palavras de um amigo seu,  Professor de Medicina. Assino por baixo. Oxalá eu não tivesse essa experiência...
Não estou nem, penso, nunca estarei, preparado para tal.

Post scriptum:
No dia seguinte, acordei a pensar na Sra X e nas Irmãs. Tive vontade de pendurar a bata para sempre, como tenho tido, sempre que me faleceram alguns doentes, ou não fosse, para mim, o querer desistir uma parte do processo de luto. Mas a minha família (re)animou-me para começar o dia de trabalho: "Cheer up,  Lad...  You know what they say... (...)  Always look on the bright side of Life... " 

Vim a trautear a música no caminho. 
Resta-me a música. E resta-me aquele Abraço, que foi a única coisa que, no momento, pude dar àquela Família. 

quarta-feira, 4 de novembro de 2015

Teoria da relatividade


A mais-do-que-batida-piada de que o Psiquiatra é aquele que olha para a reacção dos presentes quando entra uma mulher bonita na sala, pode fazer com que se formule várias hipóteses sobre o dito, em alternativa. A saber:

  • É um mestre da relativização
  • Ou tem uma visão 0,5/20 (para quem não percebe de oftalmologia, é um bocadinho mais do que certos árbitros da primeira divisão do futebol português, mas a anos-luz de qualquer toupeira...)
  • Ou tomou, propositadamente ou não, uma dose elevada de um antipsicótico à vossa escolha
  • Ou não se sente atraído por mulheres e/ou prefere Aristófanes
  • Ou tem a esposa ao lado...
Pessoalmente, prefiro a primeira opção. Acho-a muito mais romântica e fica sempre bem no curriculum vitae. 

Uma das coisas que se aprende com a prática da psiquiatria, da medicina, do dominó, da vendas de enciclopédias e de outras ciências similares sem as quais a civilização moderna não passaria, é a relativizar.

Permite-nos deslocalizar, por instantes, o foco da nossa atenção, e dar-nos uma nova perspectiva da realidade, out of the box, ou para lá do umbigo...
Permite-nos diferenciar o essencial do acessório e focarmo-nos no que realmente importa...
Permite abrir portas onde se fecharam janelas, apreciar as estrelas quando o sol se pôs e vários outros clichés pseudomotivacionais de que não me lembro agora...

Mas na prática, dá-nos a hipótese de tentar compreender porque é que o sr. Almerindo, recentemente reformado de 67 anos, ou a D. Carla, recentemente divorciada, de 39 anos, nos chegam à consulta aos gritos... Talvez por uma recente perda de ocupação...

E isso repercute-se na restante vida: consegue-se perceber que a nossa tia Laércia, de 85 anos, já meio demenciada, é o terror das auxiliares da casa de repouso onde está, praticando a política do quero, posso e mando, mas sempre foi muito senhora do seu nariz e, pura e simplesmente, está com dores na coluna... 

Tudo é, de facto, relativo neste mundo.

Como diria David Mourão Ferreira:

"Há-de vir um Natal e será o primeiro 
em que se veja à mesa o meu lugar vazio 

Há-de vir um Natal e será o primeiro 
em que hão-de me lembrar de modo menos nítido 

Há-de vir um Natal e será o primeiro 
em que só uma voz me evoque a sós consigo 

Há-de vir um Natal e será o primeiro 
em que não viva já ninguém meu conhecido 

Há-de vir um Natal e será o primeiro 
em que nem vivo esteja um verso deste livro 

Há-de vir um Natal e será o primeiro 
em que terei de novo o Nada a sós comigo 

Há-de vir um Natal e será o primeiro 
em que nem o Natal terá qualquer sentido 

Há-de vir um Natal e será o primeiro 
em que o Nada retome a cor do Infinito 

David Mourão-Ferreira, in 'Cancioneiro de Natal' "

Não quero deprimir ninguém, nem ser, apesar da altura do ano, suficientemente tétrico, mas um post a dizer "Voltei, mas agora acreditem mesmo!" seria um tanto ou quanto repetitivo...

E não sei se voltei. Ou se é o blog que voltou a mim... Tudo é, de facto relativo! Até a vida...


terça-feira, 25 de março de 2014

Oh não! Mais um post a dizer "Voltei?!"

Este deve ser, pelo menos, e aproximadamente, o trigésimo nono post em que utilizo, aparentemente em vão, com a palavra "voltei".
Tal qual um adepto de um clube de futebol de Lisboa, que eu não digo qual, é ou um político em período pré-eleitoral, prometo sempre que volto.
Mais do que a definição de um estilo de escrita, isto poderá constituir a assunção (não a Cristas, nem a Esteves) de uma religião:
Eu, que até agora tinha uma relação muito pessoal e adogmática com Deus, o que, de certa forma, permite abraçar como semelhante todo aquele que manifesta a sua fé, confesso-me fervoroso do Santo Padroeiro das Causas Inacabadas. (a par do Santo António, cujas imagens povoam todos os cantos da casa onde cresci.)
Não sei o seu nome, mas uma pesquisa rápida no meu leitor mais fiel e mais sistemático, sem desprimor para qualquer um dos outros, refere que o nome do padroeiro das Soluções Rápidas é São Expedito. Deve haver, algures na liturgia, na da Igreja Católica, na Budista ou na de Carl Sagan, algum antónimo de São Expedito, nem que seja sob a forma de anti-matéria...
Tudo isto para dizer que este blog é uma obra eternamente inacabada e imperfeita, tal como eu. E que é muito provável que, havendo força e discernimento para isso, volte para o polir e aperfeiçoar, tal como espero que aconteça comigo. E que São Expedito, juntamente com o seu antónimo, tal qual como nos frente a frente da política, possam ser moderados  por algo ou alguém, nem que seja eu próprio...  

PS - Fica prometido (ou talvez não) um post acerca da espiritualidade na Saúde Mental...

terça-feira, 18 de dezembro de 2012

Como sobreviver a uma junta médica

Deparei-me há uns dias com um pedido de desculpas sui generis na revista da Ordem dos Médicos. Um médico, que participava, indicado pela examinanda, numa Junta Médica, talvez da Segurança Social, da ADSE ou de uma qualquer entidade mui esclarecida, num "momento de ansiedade" (sic), terá escrito a frase lapidar "Esta Junta é uma farsa!"
Como - diz o povo - a verdade magoa sempre, ainda que existam muitas verdades diferentes tantas quantas as pessoas da Terra - os restantes médicos da Junta, nomeados pela tal Entidade Esclarecida , considerando-se, decerto, feridos, se não na sua dignidade profissional, no amor-próprio, ou na dignidade da camisola que envergavam, trataram de processar deontologicamente o infeliz, que se obrigou a um pedido de desculpas formal na revista que toda a classe recebe e, alegadamente, lê.

O episódio é, por si, caricato. Mas, considerando que este blog estar a prestar um serviço às três ou quatro pessoas que o lêem, e para evitar que os médicos assistentes cheguem a este ponto, permite-se dar vários conselhos às pessoas que forem a juntas médicas.

  1. Muna-se de todos os documentos pessoais que conseguir encontrar - carta de condução, passaporte, cartão do cidadão, cartão da FNAC, cartão do ACP, boletim de vacinas, boletim de saúde infantil, boletim de grávida (sobretudo se for do sexo masculino), cartão do clube de vídeo, do ginásio, passe social, cartão de milhas, cartão de crédito, cartão multibanco, cartão do clube juvenil Verbo (de quando era adolescente), caderneta do aluno (da escola secundária), certidão de nascimento, certificado de casamento e/ou de divórcio, certificado de aproveitamento no curso de costura, cartão de sócio do Benfica. Para as pessoas que já faleceram e que vão em caixão, convém levar o certificado de óbito.
  2. Muna-se de todos os relatórios que conseguir encontrar - relatório do médico a dizer que em tempos se encontrava apto para ir à escola, relatório do médico a dizer que até tinha jeito para frequentar o ginásio, relatório do médico a dizer que tocava piano e falava francês, relatório do médico a dizer que  estava bom tempo para o windsurf no dia 30 de Janeiro de 1984 na praia do Guincho, relatório do médico a dizer que nunca mudou de sexo e que, tendo sido registado como Alfredo, nunca se chamou Rosa Maria na sua vida.
    A este respeito, convém que coleccione relatórios de tantos especialistas quanto possível. A lista de especialidades reconhecidas em Portugal e no Brasil encontra-se aqui. Convém ainda, pelo sim pelo não, acrescentar duas ou três, mesmo que os médicos da junta médica não as conheçam, bem como a Medicina Tradicional Vietnamita e a Pedogeriatria.
  3. Muna-se de todos os exames complementares de diagnóstico que tenha lá por casa - desde a ortopantomografia que fez quando tirou os dentes do siso, até aos rastreios imunológicos para doenças venéreas que realizou quando a Ritinha, a sonsinha com quem saía na adolescência, o informou das características anatómicas particulares dos elementos da equipa de futebol lá do bairro. Como é óbvio, pode e deve coleccionar todos os exames da tabela do SNS - para desespero dos sacanas dos seus médicos assistentes, que não os querem passar. Não se esqueça é de levar um Electroencefalograma, não haja para aí um surto de neurogambozinose sifilítica que permaneça indetectado. Não convém é que o mesmo tenha prova de sono, ou que seja quantitativo, senão não vale de nada. O electroencefalograma mostrando ausência de actividade eléctrica, acompanhado do certificado de óbito, constitui uma prova irrefutável de que o examinando não está, de facto, a fingir o rigor mortis...
Uma vez chegado ao sítio onde se vai realizar a junta médica, este blog aconselha-o a adoptar os seguintes comportamentos:
  1. Trate a senhora da recepção por Senhor Vítor.
  2. Trate o segurança por "Antunes, meu camarada de guerra", dê-lhe uma palmadinha nas costas e fale-lhe durante 40 minutos dos bons velhos tempos, em que iam fazer visitas científicas às cubatas.
  3. Sente-se, finja que está a apertar o cinto de segurança e pergunte-lhe quando se levanta voo e onde estão as senhoras que distribuem papo-secos.
  4.  Aguarde a sua vez, pacientemente, perguntando "quanto tempo falta-a-a-a?", de forma cantada, sob a musica do Fur Elise, passando por todos os tons da escala cromática, a cada vinte e dois segundos.
  5. Quando chamado, entre na sala, gritando "Onde é que se come?" com a sua melhor voz bagaceira.
Uma vez entrado para a sala onde está constituida a junta médica:
  1. Cumprimente cordialmente os médicos. Eles estão apenas a fazer o seu trabalho, independentemente de si, do que disser ou fizer.
  2. Se forem dois homens, chame a um deles, Sr. Padre Júlio.
  3. Pergunte onde estão as câmaras e os microfones para falar.
  4. Diga que tem 276,65329 anos.
  5. Quando lhe pedirem o Bilhete de Identidade, mostre o cartão do Clube Amigos Disney da infância.
  6. Quando lhe perguntarem qualquer coisa:
    Diga que foi lá [à Junta] apenas para apanhar o autocarro - e se sabem a que horas é que passa o próximo
     ou Diga que só fala na presença do seu advogado
     ouResponda "Por que quer saber isso? Não falo com intelectuais de esquerda".
    ouUtilize "Arbeit macht frei" como resposta a todas as questões que lhe forem colocadas.
  7. Quando o mandarem sair, vire a secretária de pernas para o ar à procura de câmaras.
Parabéns, acabou de sobreviver a uma junta médica. Cumprimente alegremente o Sr. Vítor e os simpáticos Agentes da Autoridade que acabaram de ser chamados para acorrer ao estardalhaço.



PS - Este blog não tenta nem de uma forma nem de outra fomentar comportamentos agressivos. Qualquer convívio com os simpáticos Agentes que o vierem cumprimentar não pode ser interpretado como uma tentativa em si de o tramar.
Seja responsável. Beba com moderação.



sexta-feira, 22 de abril de 2011

Espaço Cinéfilo (1)

Amigo cinéfilo (ou amante da psiquiatria com aspirações cinéfilas)

Farto de ver filmes com planos assustadoramente dinâmicos de árvores em pleno movimento?
Farto de frequentar cinemas onde as pessoas te tratam por tu e invocam o saudosismo dos filmes de Fellini?
Farto de ser excluído por não saber de cor a filmografia completa do Lars von Trier?

Este blog tem a solução.

Hoje inauguramos uma nova rubrica - o ESPAÇO CINÉFILO: o sítio onde pode mandar o Lars von Trier às urtigas, sem problemas.




Para dar o pontapé de saída, vamos falar sobre Shutter Island (ou, em Português para Fotógrafos), a ilha dos  Obturadores.

Sinopse (Sapo Cinema):

1954, o pico da Guerra Fria, os agentes Teddy Daniels e Chuck Aule são convocados a "Shutter Island" para investigar o improvável desaparecimento de uma criminosa do impenetrável Ashecliffe Hospital. Rodeados por circunspectos psiquiatras e perigosos pacientes psicopatas, eles vêem-se envolvidos numa atmosfera misteriosa e volátil que sugere que nada é o que parece… Com um furacão a aproximar-se da ilha, a investigação progride rapidamente. No entanto, à medida que a tempestade aumenta de intensidade, as suspeitas e os mistérios multiplicam-se, cada um mais terrível e tenebroso que o anterior. Há indicações e rumores de conspirações sombrias, sórdidas experiências médicas, alas secretas, controlo mental e inclusive de algo sobrenatural. Movendo-se nas sombras do hospital, assombrado pelos terríveis actos dos seus instáveis habitantes e pelos desígnios desconhecidos dos igualmente suspeitos médicos, Teddy começa a sentir que, quanto mais fundo ele chega na investigação, mais perto está de se ver confrontado com alguns dos seus mais profundos e devastadores medos. E apercebe-se também que poderá não sair vivo daquela ilha...


Mini-crítica (Psiquiatra da Net)

Shutter Island não é um filme para meninos. O seu fim ainda hoje é discutido em vários fórums: parece haver três facções distintas - uma (que parece incluir o próprio realizador, Martin Scorcese), que acredita que o protagonista tinha esquizofrenia paranóide. Outra (que parece incluir os partidários da Cientologia) acredita que o cavalheiro não tinha problema nenhum, que o problema era da sociedade, que não o sabia aceitar. A outra, por último, acredita que o filme é uma treta, e que todo o enredo não é nada que o Sócrates não consiga fazer, nos seus dias menos produtivos. Acreditam ainda que o filme é, todo ele, uma metáfora para o FMI...
Em suma, se acha que não é para si, vá ver filmes da Disney .(excepto o Bambi e a Pocahontas)

sábado, 12 de março de 2011

Geração à rasca


Não é meu hábito colocar comentários políticos aqui no blog, mas hoje, dia em que perto de trezentas mil pessoas desceram a Avenida da Liberdade, em Lisboa, oitenta mil se concentraram na Praça da Batalha, e mais umas quantas em várias cidades de Portugal, resolvi falar sobre precariedade, e contar um caso...
Para não comprometer nem ferir susceptibilidades, este caso é construído a partir de vários casos com que me deparei.

"Acabada de sair da faculdade com um curso de psicologia, Marta começou a estagiar num hospital público. O estágio era voluntário e não remunerado. Durante este "estágio", exercia as funções de psicóloga no serviço.
Marta esteve dois anos nesta situação. Por insistência do chefe de serviço, por necessidade manifesta do Hospital, foi contratada. Contudo, como as admissões à Função Pública tinham sido congeladas, foi outorgado um contrato de trabalho a termo certo, pelo período de 6 meses. De acordo com a legislação laboral vigente, este tipo de contratos destina-se/destinava-se à satisfação de necessidade temporária do empregador e era renovável, até duas vezes, por iguais períodos.
Face à manutenção da necessidade de uma psicóloga no serviço, Marta foi vendo o seu contrato renovado.
Quando o período da última renovação terminou, e perante a incapacidade de abrir vaga, propuseram-lhe uma solução muito simples. Ficava sem trabalhar durante uma semana, período eufemisticamente designado por "pausa de contrato" e seria contratada novamente a seguir.
Entretanto, Marta saiu de casa dos pais e casou, com o então namorado e com um empréstimo bancário, porque comprou casa. Do ponto de vista formativo, evoluiu: fez formação em várias correntes de psicoterapia e iniciou um Doutoramento.
Ao fim de oito anos a contratos a termo certo, comunicaram-lhe a impossibilidade de a contratar novamente. E, ou começava a passar recibos verdes a uma empresa de trabalho temporário, que, por sua vez, cobrava ao Hospital a um preço significativamente superior ao que lhe pagava, ou iria para o desemprego, com tudo o que isso significava em termos de incumprimento das responsabilidades assumidas.
Continuava sob a alçada da hierarquia do Hospital, e todo o expediente passava pelo Serviço de Recursos Humanos do mesmo. Contudo, sem direito a subsídio de doença ou a férias.
Marta optou pela primeira opção. Até ao dia em que, de surpresa, a chamaram ao Serviço de Recursos Humanos. Comunicaram-lhe, no dia 15, que a partir do início do mês seguinte estaria despedida.
Neste momento, Marta está a terminar o doutoramento e pondera emigrar."

Poder-se-ia perguntar que Estado é este que se dá ao luxo de infringir as suas próprias leis, de contratar precariamente para depois deitar ao lixo profissionais altamente diferenciados, ou de, pelo mesmo trabalho, pagar mais a uma empresa de trabalho temporário do que abrir o quadro para contratar profissionais.

Poder-se-ia questionar que Valores são estes que o norteiam, mais do que a crise económica ou política.

Eu penso que é isso que é preciso mudar. E é preciso que os Portugueses mudem a postura passivo-agressiva que têm em relação ao Estado. É preciso que os Portugueses se mobilizem, envolvam socialmente, lutem, para que deixem de ver o Estado como uma Entidade vil, pouco idónea, desonesta, estranha, que lhes suga os impostos, e que é preciso enganar a todo o custo.

É necessário mudar Valores, tanto quanto a Economia ou a Política, para que as Martas deste País, que existem em todas as profissões, sejam reconhecidas pelo seu valor e não pela sua rede de conhecimentos.